Criminologia Crítica e(m) crise: caminhos de uma práxis em movimento

Autores

Palavras-chave:

Criminologia crítica, Crise de legitimidade do sistema penal, Crise da Criminologia crítica

Resumo

Este artigo propõe a análise do percurso de amadurecimento da Criminologia crítica. Para tal fim, será primeiro necessário apresentar as promessas modernas de segurança pela limitação do exercício do poder de Estado. Esses fundamentos são base ainda hoje para sustentar a pretensão de legitimidade da subordinação do cidadão a uma ordem jurídica, incluindo aí o sistema penal. Em seguida, trabalhamos algumas das categorias principais da Criminologia crítica que demonstram não apenas a dificuldade de concretização das promessas legitimadoras, mas sua impossibilidade. As conclusões daí derivadas colocam em marcha um processo irreversível de deslegitimação do sistema penal e qualquer solução real passa por sua superação. Apesar do diagnóstico, os caminhos de ação concreta são mais tortuosos e encontraram (e encontram) obstáculos complexos, o que veio a produzir uma crise da própria Criminologia crítica. Buscamos sistematizar alguns desses pontos, para entender que os questionamentos formulados possuem mérito e devem ser considerados no processo de refinamento de uma práxis crítica. Por outro lado, é possível perceber que os obstáculos não implicam abandono da crítica criminológica, ao contrário, levam-na a articulações renovadas e com potenciais transformadores ainda maiores.

Biografia do Autor

Felipe Heringer Roxo da Motta, Ordem dos Advogados do Brasil, Curitiba, Paraná, Brasil

Advogado criminal. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.

Referências

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Soberania Patriarcal: o Sistema de Justiça Criminal no Tratamento da Violência Sexual Contra a Mulher. Direito Público, v. 1, n. 17, p. 52-75, mar. 2007.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Minimalismos, abolicionismos e eficientismo: a crise do sistema penal entre a deslegitimação e a expansão. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 27, n. 52, p. 163-182, jul. 2006. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15205>. Acesso em: 09 jun. 2022.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2012. (Coleção Pensamento Criminológico, 19).

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Violência sexual e sistema penal: proteção ou duplicação da vitimação feminina? Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 17, n. 33, 1996. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15741>. Acesso em: 19 abr. 2015.

ANIYAR DE CASTRO, Lola. Criminologia da Reação Social. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

ARGÜELLO, Katie Silene Cáceres; MURARO, Mariel. Las Mujeres Encarceladas por Tráfico de Drogas en Brasil: las Muchas Caras de la Violencia contra las Mujeres. Oñati Socio-legal Series, Oñati (Espanha), v. 5, n. 2, p. 389-417, 2015.

ARISTÓTELES. Política. Tradução Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

BARATTA, Alessandro. Die Menschenrechte zwischen struktureller Gewalt und Strafgewalt. Kriminologisches Journal, Hamburgo (Alemanha), v. 25, n. 4, p. 243-259, 1993.

BARATTA, Alessandro. ¿Tiene futuro la criminología crítica? In: ELBERT, Carlos Alberto; BELLOQUI, Laura (Org.). Criminología y Sistema Penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: Euros Editores, 2004. p. 139-151.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução José de Faria Costa. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2017.

BECKER, Howard Saul. Outsiders: studies in the sociology of deviance. Nova Iorque (EUA): Free Press, 1991.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003.

CARNEIRO, Ludmila Gaudad Sardinha. Em busca dos direitos perdidos: ensaio sobre abolicionismos e feminismos. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 15, n. 107, p. 605-630, 29 jan. 2014.

CARVALHO, Salo De. Anti-manual de Criminologia. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013a.

CARVALHO, Salo De. Criminologia crítica: dimensões, significados e perspectivas atuais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 104, n. out-set, p. 279-303, 2013b.

CHRISTIE, Nils. Crime control as industry: towards gulags, Western style. 3. ed. Londres: Routledge, 2000.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Criminologia Radical. 3. ed. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2008.

CLEMMER, Donald. The prison community. Nova Iorque: Rinehart, 1958.

COHEN, Stanley. Visions of social control: crime, punishment, and classification. Cambridge: Polity Press; Blackwell, 1985.

COMFORT, Megan. Developments and next steps in theorizing the secondary prisonization of families. In: HUTTON, Marie; MORAN, Dominique (Org.). The Palgrave Handbook of Prison and the Family. Cham (Suíça): Palgrave Macmillan, 2019. p. 65-80.

COMFORT, Megan. Doing time together: love and family in the shadow of the prison. Chicago: The University of Chicago Press, 2008.

CORTINA, Monica Ovinski de Camargo. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 761-778, dez. 2015.

DAVIS, Angela Y. Are prisons obsolete? Nova Iorque (EUA): Seven Stories Press, 2003.

DAVIS, Angela Y (Org.). If They Come in the Morning. Nova Iorque: Signet, 1971.

D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

FERNANDES, Maria da Penha. Sobrevivi... posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Tradução Perfecto Andrés Ibáñez. Madrid: Trotta, 1995.

FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de direito à sujeição jurídica. São Paulo: LTr, 2002.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: a história da violência nas prisões. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

FRASER, Nancy. Contradictions of Capital and Care. New Left Review, Londres, v. 100, p. 99-117, July-Aug 2016.

FREITAS JR., Renato de Almeida. Prisões e quebradas: o campo em evidência. 2017. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017. Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2021.

GLAZE, Lauren E.; KAEBLE, Danielle. Correctional populations in the United States, 2013. no NCJ 248479. Estados Unidos da América: Bureau of Justice Statistics, 2014. Disponível em: <http://www.bjs.gov/content/pub/pdf/cpus13.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2015.

GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Tradução Arno Dal Ri Júnior. 2. ed. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.

HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.

HOBBES, Thomas. The English Works of Thomas Hobbes of Malmesbury: Now First Collected and Edited by Sir William Molesworth, Bart. v. 3. Londres: Bohn, 1839.

HULSMAN, Louk H. C. Critical criminology and the concept of crime. Contemporary Crises, Dordrecht (Países Baixos), v. 10, n. 1, p. 63-80, 1986.

HULSMAN, Louk H. C. El enfoque abolicionista: políticas criminales alternativas. In: RODENAS, Alejandra; FONT, Enrique Andrés; SAGARDUY, Ramiro A. P. (Org.). Criminología Crítica y control social: el poder punitivo del Estado. Rosario (Argentina): Editorial Juris, 1993. v. 1. p. 75–104.

HULSMAN, Louk H. C. Temas e conceitos numa abordagem abolicionista da justiça criminal. In: PASSETTI, Edson; DIAS DA SILVA, Roberto Baptista (Org.). Conversações abolicionistas: uma crítica do sistema penal e da sociedade punitiva. São Paulo: IBCCrim, 1997.

HULSMAN, Louk H. C.; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: o sistema penal em questão. Tradução Maria Lúcia Karam. Niterói: Luam, 1993.

LOCKE, John. Two treatises of government. In: The Works of John Locke: a new edition, corrected. v.5. Londres: Thomas Davison, Whitefriars, 1823. p. 205–485.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MARTINS, Ana Paula Antunes; CERQUEIRA, Daniel; MATOS, Mariana Vieira Martins. A institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Brasília: IPEA, 2015. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/150302_nt_diest_13.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2015.

MCMAHON, Maeve. ‘Net-widening’: vagaries in the use of a concept. British Journal of Criminology, v. 30, n. 2, p. 121-149, 1990.

MELOSSI, Dario. Overcoming the crisis in critical criminology: toward a grounded labeling theory. Criminology, v. 23, n. 2, p. 193-208, 1985.

MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2006. (Coleção Pensamento Criminológico, 11).

MERTON, Robert King. Social theory and social structure. Nova Iorque (EUA): Free Press, 1968.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das Leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

MOTTA, Felipe Heringer Roxo Da. Introdução ao estudo da Criminologia. Curitiba: InterSaberes, 2021. (Série Estudos Jurídicos: Direito Criminal).

MOTTA, Felipe Heringer Roxo Da. Transformações da política criminal em tempos de hiperencarceramento: o modelo atuarial. Sociedade em Debate, Pelotas, v. 21, n. 2, p. 100-139, 2015.

PIJOAN, Elena Larrauri. La herencia de la criminología crítica. Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 1991. (Criminología y derecho).

PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 15. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2017.

PLATT, Tony. Editor’s Introduction: Legacies of Radical Criminology in the United States. Social Justice, California (EUA), v. 40, n. 1/2, p. 1-5, 2014.

PLATT, Tony. “If We Know, Then We Must Fight”: The Origins of Radical Criminology in the U.S. Critical Sociology, [s.l.], v. 15, n. 2, p. 127-138, jul. 1988.

PLATT, Tony. Prospects for a Radical Criminology in the United States. Crime and Social Justice, California (EUA), n. 1, p. 2-10, 1974.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1.

RADBRUCH, Gustav. Rechtsphilosophie. 2. ed. Heidelberg (Alemanha): C. F. Müller Verlag, 2003.

ROMFELD, Victor Sugamosto. “Viado bom é viado morto”?: lgbtfobia no Brasil e possibilidades de instrumentalização do Direito Penal. 2022. Tese – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2022. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/78776>. Acesso em: 20 maio 2023.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social: princípios do direito político. Tradução Antonio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punishment and social structure: with a new introduction by Dario Melossi. New Brunswick, NJ (EUA): Transaction Publishers, 2005.

SACK, Fritz. Neue Perspektiven in der Kriminologie. In: KÖNIG, Rene; SACK, Fritz (Org.). Kriminalsoziologie. Frankfurt a.M. (Alemanha): Akad. Verl.-Anst., 1974. p. 431-501.

SCHEERER, Sebastian. Hacia el abolicionismo. In: HULSMAN, LOUK H. C. et al. Abolicionismo penal. Buenos Aires: Ediar, 1989. p. 15-34.

SCHEERER, Sebastian. Warum sollte das Strafrecht Funktionen haben? Gespräch mit Louk Hulsman über den Entkriminalisierungsbericht des Europarats. Kriminologisches Journal, Hamburgo (Alemanha), v. 15, n. 1, p. 61-74, 1983.

SMAUS, Gerlinda. Feministische Beobachtung des Abolitionismus. Kriminologisches Journal, Hamburgo (Alemanha), v. 21, n. 3, p. 182-193, 1989.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005.

TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock (Org.). Critical Criminology. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1975.

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. Tradução Federico Carotti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

WACQUANT, Loïc. Prisons of poverty. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2009. (Contradictions, v. 23).

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas: deslegitimación y dogmática jurídico-penal. Buenos Aires: Ediar, 1998.

Downloads

Publicado

2023-12-28

Como Citar

Heringer Roxo da Motta, F. (2023). Criminologia Crítica e(m) crise: caminhos de uma práxis em movimento. aptura Críptica: reito, política, tualidade, 12(2), 55–87. ecuperado de https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/capturacriptica/article/view/6206