EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA FUNÇÃO SÓCIO POLÍTICA PERANTE SUAS FAMÍLIAS

Autores

Palavras-chave:

Função sócio política, Educação Infantil, Famílias.

Resumo

O artigo trata-se de uma síntese das discussões levantadas na dissertação “O atendimento parcial na Educação Infantil em Florianópolis: implicações no cotidiano das famílias trabalhadoras”. Apresento os principais dados gerados na pesquisa, e com o auxílio da mesma, discuto a função sócio política da Educação Infantil. Função essa, presente nos documentos oficiais que normatizam a Educação Infantil, como por exemplo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. O atendimento parcial é afirmado como uma política de governo, e que fere os direitos das crianças e das famílias, quebrando a função sócio política da Educação Infantil e suscitando demandas que não são tão recentes, como por exemplo, vagas em período integral para às crianças. Situando temporalmente a Educação Infantil pública, utilizamos de Kulmman (2000) para descrever a história do primeiro segmento da Educação Básica. Vital Didonet (2001) e Alves (2021), discutem o que é a função sócio política da Educação Infantil, sempre reafimando o direito das crianças e das famílias de estarem presentes nas instituições.

Biografia do Autor

Camila Vieira da Rosa Alves, Universidade do Estado de Santa Catarina

Graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2017). Especialização em Educação Infantil pela Faculdade São Luís (2018). Mestrado em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2021). Participante do Grupo de Pesquisa Coletivo Ciranda - Grupo de Pesquisa Infância, Cidadania e Redes Educativas. Professora da Educação Infantil- contrato temporário Rede Municipal de São José (2018). Professora Auxiliar de Sala- efetiva na Rede Municipal de São José (2019-atual).

Referências

A família burguesa de meados do século XIX apresenta-se como uma família urbana, com baixo índice de fertilidade e mortalidade, assumindo um padrão diferente de afetividade e privacidade. A responsabilidade do marido era manutenção econômica, sendo este autoridade dominante na família. À esposa cabia a tarefa de cuidar dos filhos e toda a responsabilidade em relação ao desempenho destes lhe era cobrada. (SOUZA, RODRIGUES, 2007, p.1)

SOUZA, Elizabeth Cristina Landi de Lima e; RODRIGUES, Maria Angélica Magalhães. Família e Paternidade: o papel do pai na criação dos filhos. In: XIV Encontro Nacional da ABRAPSO, 2007, Rio de Janeiro. ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - TRABALHOS COMPLETOS. Rio de Janeiro, 2007.

O Brasil é um país marcado pela desigualdade na distribuição de riqueza e elevados níveis de pobreza, características herdadas no desenvolvimento do seu processo histórico, marcado pela ordenação de uma sociedade estamental. (FAORO, 1979, p. 45-46) FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. V. 1. Porto Alegre: Globo, 1979.

Anteriormente não se pensava em generalizar a creche, destinada apenas às mães pobres que precisassem trabalhar. Não se cogitava de que mulheres de outra condição social pudessem querer trabalhar quando gerassem crianças pequenas, e, caso isso ocorresse, a solução deveria ficar no âmbito do doméstico, do privado. KUHLMAN JR., Moysés. Histórias da educação infantil brasileira. Rev. Bras. Educ. [online]. 2000, n.14, pp.5-18. ISSN 1413-2478.

Até o final do século XX as políticas de assistência às crianças pequenas eram fortemente vinculadas aos Ministérios da Saúde e da Previdência (KUHLMAN JR. 2000, apud ALVES, 2021, p.54). ALVES, Camila Vieira da Rosa. O Atendimento Parcial na Educação Infantil em Florianópolis: Implicações no Cotidiano das Famílias Trabalhadoras. Orientador: Julice Dias. 2021. 135 p. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2021.

Diante desse contexto, a sociedade marcada por princípios machistas, em 1979, no primeiro Congresso da Mulher Paulista, iniciou um movimento entre as mulheres chamado de “O Movimento de Luta por Creches”. Isso porque iniciava uma nova perspectiva do que é ser mulher e daquilo que ela pode exercer na sociedade. Muitas mulheres já eram mantenedoras da família, em diferentes organizações familiares. Esses movimentos reivindicavam creches, numa perspectiva democrática, remetendo ao Estado a responsabilidade por seu financiamento, porém, numa dinâmica de participação social. (ALVES, 2021, p. 66) ALVES, Camila Vieira da Rosa. O Atendimento Parcial na Educação Infantil em Florianópolis: Implicações no Cotidiano das Famílias Trabalhadoras. Orientador: Julice Dias. 2021. 135 p. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2021.

A Ditadura Militar no Brasil foi um regime autoritário que teve início com o golpe militar em 31 de março de 1964, com a deposição do presidente João Goulart. O regime militar durou 21 anos (1964-1985), estabeleceu a censura à imprensa, restrição aos direitos políticos e perseguição policial aos opositores do regime. (BEZERRA, 2021) BEZERRA, Juliana. Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Toda Matéria, [S. l.], 11 fev. 2021. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/ditadura-militar-no-brasil/. Acesso em: 15 set. 2021

Aqui no Brasil, a Constituição de 1988 foi o primeiro documento que instituiu como responsabilidade do Estado ofertar assistência para as crianças a partir do nascimento até os cinco anos de idade em creche e pré-escola. O art. 7º, em seu inciso XXV, esclarece que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas”. O mesmo artigo também estabelece a “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (BRASIL, 1988). (ALVES, 2021, p. 65) ALVES, Camila Vieira da Rosa. O Atendimento Parcial na Educação Infantil em Florianópolis: Implicações no Cotidiano das Famílias Trabalhadoras. Orientador: Julice Dias. 2021. 135 p. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2021.

O primeiro está associado à questão da mulher enquanto participante da vida social, econômica, cultural e política. [...] Como objetivo educacional, a creche organiza-se para apoiar o desenvolvimento, promover a aprendizagem, mediar o processo de construção de conhecimentos e habilidades por parte da criança, procurando ajudá-la a ir o mais longe possível nesse processo. [...] A creche cumpre um objetivo educacional proeminente.

O terceiro objetivo é político: a educação infantil inicia a formação do cidadão. (DIDONET, 2001, p.14 e 15) DIDONET, Vital. “Creche: a que veio, para onde vai”. In: Educação Infantil: a creche, um bom começo. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. v 18, n. 73. Brasília, 2001. p.11-28.

A necessidade social urgente de mães e pais para obter uma vaga, onde pudessem ficar suas bebês/crianças pequenas enquanto trabalham ou buscam o sustento de suas famílias, levou à implementação de creches por meio de convênios e outros arranjos, como atendimento parcial, que ameaçam os objetivos iniciais da luta: uma creche laica, antirracista e antissexista. (TELES, FARIA, SANTIAGO, 2018) TELES, Maria Amélia de Almeida. SANTIAGO, Flávio. FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Por que a creche é uma luta das mulheres? São Carlos: Pedro & João Editores, 2018. Disponível em: https://outraspalavras.net/feminismos/direito-a-creche-proposta-rebelde/. Acesso em: 30 nov. 2020.

Todavia, a especificidade da criança bem pequena, que necessita do professor até adquirir autonomia para cuidar de si, expõe de forma mais evidente a relação indissociável do educar e cuidar nesse contexto. A definição e o aperfeiçoamento dos modos como a instituição organiza essas atividades são parte integrante de sua proposta curricular e devem ser realizadas sem fragmentar ações. (BRASIL, 2009) BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. PARECER CNE/CEB Nº: 20/2009. Brasilia, 11 nov. 2009.

A indissociabilidade do ato de cuidar e educar na Educação Infantil está atrelada à pouca idade das crianças e à necessidade de serem cuidadas no que toca a seus direitos fundamentais expressos na Lei e nos documentos curriculares oficiais. (ALVES, 2021, p.59) ALVES, Camila Vieira da Rosa. O Atendimento Parcial na Educação Infantil em Florianópolis: Implicações no Cotidiano das Famílias Trabalhadoras. Orientador: Julice Dias. 2021. 135 p. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2021.

Reafirmamos neste estudo, ancoradas em toda a produção curricular para a Educação Infantil nas últimas três décadas, que há sim na educação de 0 a 5 anos de idade, trabalho pedagógico, cuja estruturação da rotina deve pautar-se nos eixos interações e brincadeira, e que a creche e a pré-escola não são espaços de “aulas”, e sim, ambientes coletivos de ampliação de repertório nas dimensões científica, tecnológica, artística, cultural e ambiental. (BRASIL, 2009 apud. ALVES, 2021, p.96) ALVES, Camila Vieira da Rosa. O Atendimento Parcial na Educação Infantil em Florianópolis: Implicações no Cotidiano das Famílias Trabalhadoras. Orientador: Julice Dias. 2021. 135 p. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2021.

Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica:

I - oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais;

II - assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias;

III - possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas;

IV - promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância;

V - construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. PARECER CNE/CEB Nº: 20/2009. Brasilia, 11 nov. 2009.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

º O Sistema Único de Saúde promoverá a atenção à saúde bucal das crianças e das gestantes, de forma transversal, integral e intersetorial com as demais linhas de cuidado direcionadas à mulher e à criança. [Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016] (BRASIL, 2016) BRASIL. Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/marco-legal-da-primeira-inf%C3%A2ncia-texto-sancionado.pdf. Acesso em 8 mar. 2021.

Art. 86 A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. [Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016] (BRASIL, 2016) BRASIL. Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/marco-legal-da-primeira-inf%C3%A2ncia-texto-sancionado.pdf. Acesso em 8 mar. 2021.

Percebe-se que ambos os trechos que tratam do tema, foram incluídos no ECA apenas em 2016, mostrando o quão recente é propor no texto da lei trabalhos interligados por diversos setores, que promovam a garantia dos direitos. (ALVES, 2021, p. 37) ALVES, Camila Vieira da Rosa. O Atendimento Parcial na Educação Infantil em Florianópolis: Implicações no Cotidiano das Famílias Trabalhadoras. Orientador: Julice Dias. 2021. 135 p. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2021.

Art. 8º O pleno atendimento dos direitos da criança na primeira infância constitui objetivo comum de todos os entes da Federação, segundo as respectivas competências constitucionais e legais, a ser alcançado em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. (BRASIL, 2016) BRASIL. Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/marco-legal-da-primeira-inf%C3%A2ncia-texto-sancionado.pdf. Acesso em 8 mar. 2021.

Art. 1º Esta Lei estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano, em consonância com os princípios e diretrizes da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); altera os arts. 6º, 185, 304 e 318 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal); acrescenta incisos ao art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; altera os arts. 1º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008; e acrescenta parágrafos ao art. 5º da Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012. (BRASIL, 2016) BRASIL. Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/marco-legal-da-primeira-inf%C3%A2ncia-texto-sancionado.pdf. Acesso em 8 mar. 2021.

Art. 6º A Política Nacional Integrada para a primeira infância será formulada e implementada mediante abordagem e coordenação intersetorial que articule as diversas políticas setoriais a partir de uma visão abrangente de todos os direitos da criança na primeira infância. (BRASIL, 2016) BRASIL. Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/marco-legal-da-primeira-inf%C3%A2ncia-texto-sancionado.pdf. Acesso em 8 mar. 2021.

Art. 14. As políticas e programas governamentais de apoio às famílias, incluindo as visitas domiciliares e os programas de promoção da paternidade e maternidade responsáveis, buscarão a articulação das áreas de saúde, nutrição, educação, assistência social, cultura, trabalho, habitação, meio ambiente e direitos humanos, entre outras, com vistas ao desenvolvimento integral da criança (BRASIL, 2016) BRASIL. Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2016/03/marco-legal-da-primeira-inf%C3%A2ncia-texto-sancionado.pdf. Acesso em 8 mar. 2021.

[...] serviços integrados podem ajudar, a satisfazer o leque de necessidades educacionais e de desenvolvimento das crianças em estruturas diferentes e, no longo prazo, em instituições dedicadas à aprendizagem. Isso leva à edificação de parcerias mais estreitas entre pessoal e pais, baseadas no respeito e confiança mútuos. (CORSINO, DIDONET E NUNES, 2008, p.190) CORSINO, Patrícia, DIDONET, Vital, NUNES, Maria Fernanda.2008. A integração de educação e cuidados na primeira infância: um estudo internacional comparativo. Brasília, UNESCO.

Sendo de responsabilidade do Estado, a integração entre esses setores a fim de promover a garantia dos direitos fundamentais expressos em lei (ALVES, 2021, p. 108). ALVES, Camila Vieira da Rosa. O Atendimento Parcial na Educação Infantil em Florianópolis: Implicações no Cotidiano das Famílias Trabalhadoras. Orientador: Julice Dias. 2021. 135 p. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2021.

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Publicado

2021-12-16