O método dos tipos nomenclaturais na taxonomia biológica e a modalidade de dicto
Palavras-chave:
nomenclatura biológica, teoria causal da referência, critérios de aplicação, modalidade de dicto, designação rígidaResumo
Este artigo tem por objetivo discutir, a partir da interface entre filosofia da biologia e filosofia da linguagem, um caso de identificação equivocada de espécime-tipo. Um espécime-tipo é um organismo escolhido para servir como portador do nome de um táxon biológico. Esse procedimento, chamado de método dos tipos nomenclaturais, é regulamentado pelos códigos internacionais de nomenclatura biológica atualmente vigentes. O método dos tipos nomenclaturais, de acordo com diversos filósofos, se conformaria à teoria causal-histórica da referência, e teria por objetivo garantir a rigidez dos nomes dos táxons biológicos. Recentemente, essa visão foi desafiada por Matt Haber, que levantou o exemplo de identificação equivocada do espécime-tipo de uma subespécie de cobra, Thamnophis sirtalis infernalis, o qual na verdade pertencia à subespécie T. s. tetrataenia. Haber argumenta que esse exemplo torna falsa a afirmação modal de dicto “necessariamente, todo táxon que tem um espécime-tipo contém seu espécime-tipo”. A falseação ocorreria pois T. s. infernalis não conteria, de fato, seu espécime-tipo. O argumento de Haber foi contestado por um defensor da teoria causal, Joeri Witteveen, que afirma que a falseação nunca teria ocorrido, pois a situação descrita por Haber seria impossível do ponto de vista dos códigos de nomenclatura. Neste artigo, argumentarei que a discussão sobre se o caso falseia ou não a afirmação de dicto está mal-encaminhada, pois a modalidade em questão é de ordem deontológica, e não metafísica. O diagnóstico que oferecerei para o caso apresentado apela para uma avaliação pragmática dos usos dos nomes em questão. Argumentarei que um uso espúrio, mas pragmaticamente válido, desses nomes constituiu o pivô da renegociação dos critérios de aplicação subjacentes.
Referências
BARON, M. G.; NORMAN, D. B.; BARRETT, P. M. A new hypothesis of dinosaur
relationships and early dinosaur evolution. Nature, Springer Nature, v. 543, n. 7646, p.
–506, mar 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.1038/nature21700>.
BARRY, S.; JENNINGS, M. Coluber infernalis blainville, 1835 and eutaenia sirtalis
tetrataenia cope in yarrow, 1875 (currently thamnophis sirtalis infernalis and t. s.
tetrataenia; reptilia, squamata): Proposed conservation of the subspecific names by the
designation of a neotype for t. s. infernalis. The Bulletin of Zoological Nomenclature.,
v. 55, p. 224–228, 01 1998.
BARRY, S. J.; JENNINGS, M. R.; SMITH, H. M. Letter to the editor: current subspecific
names for Western Thamnophis sirtalis. Journal of Herpetology, v. 27, n. 4, p. 172–173,
Disponível em: <http://pubs.er.usgs.gov/publication/1017400>.
BAUMANN, P. Predicative names. Cadernos Do Pet Filosofia, v. 9, n. 18, p. 95–108,
BOUNDY, J.; ROSSMAN, D. A. Allocation and status of the Garter Snake names
Coluber infernalis Blainville, Eutaenia sirtalis tetrataenia Cope and Eutaenia imperialis
Coues and Yarrow. Copeia, [American Society of Ichthyologists and Herpetologists
(ASIH), Allen Press], n. 1, p. 236–240, 1995. ISSN 00458511, 19385110. Disponível
em: <http://www.jstor.org/stable/1446824>.
BRANDOM, R. B. Making It Explicit: Reasoning, Representing, and Discursive
Commitment. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1994.
CAPONI, G. Los taxones como tipos: Buffon, Cuvier y Lamarck. História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, v. 18, n. 1, p. 15–31, 2011.
CAPONI, G. Os táxons como indivíduos. In: STEFANO, W.; PECHLIYE, M. M. (Ed.).
Filosofia e História da Biologia. São Paulo: Mack Pesquisa, 2011. p. 71–112.
DEVITT, M.; STERELNY, K. Language and Reality: An Introduction to the
Philosophy of Language. 2nd. ed. Oxford: Blackwell, 1999.
DONNELLAN, K. S. Reference and definite descriptions. Philosophical Review, v. 75, n. 3, p. 281–304, 1966.
GHISELIN, M. A radical solution to the species problem. Systematic Zoology, v. 23, p. 536–544, 1974.
GHISELIN, M. Ostensive definitions of the names of species and clades. Biology and Philosophy, v. 10, p. 219–222, 1995.
GHISELIN, M. Metaphysics and the Origin of Species. New York: SUNY, 1997.
HABER, M. H. How to Misidentify a Type Specimen. Biology and Philosophy, v. 27,
p. 767–784, 2012.
HULL, D. Are species really individuals? Systematic Zoology, v. 25, n. 2, p. 174–191,
HULL, D. A matter of individuality. Philosophy of Science, v. 45, n. 3, p. 335–360,
HULL, D. L. Contemporary systematic philosophies. Annual Review of Ecology and
Systematics, Annual Reviews, v. 1, p. 19–54, 1970. ISSN 00664162. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/2096765>.
ICZN. Opinion 1961: Coluber infernalis blainville, 1835 and eutaenia sirtalis tetrataenia
cope in yarrow, 1875 (currently thamnophis sirtalis infernalis and t. s. tetrataenia;
reptilia, serpentes): subspecific names conserved by the designation of a neotype for t. s.
infernalis. The Bulletin of Zoological Nomenclature., v. 57, p. 191–192, 01 2000.
KITTS, D. B.; KITTS, D. J. Biological Species as Natural Kinds. Philosophy of Science,
v. 46, p. 613–22, 1979.
KRIPKE, S. A. Naming and Necessity. Cambridge, MA: Harvard University Press,
LANGENDONCK, W. V. Theory and Typology of Proper Names. Berlin: Mouton de
Gruyter, 2007.
LAPORTE, J. Does a type specimen necessarily or contingently belong to its species?
Biology and Philosophy, v. 18, p. 583–588, 2003.
LEVINE, A. Individualism, type specimens, and the scrutability of species membership.
Biology and Philosophy, v. 16, p. 325–338, 2001.
MARTINICH, A. P. The attributive use of proper names. Analysis, Oxford University
Press, v. 37, n. 4, p. 159–163, 1977.
MILL, J. S. A System of Logic Ratiocinative and Inductive. London: Routledge &
Kegan Paul, 1974/1843. I.
PUTNAM, H. The Meaning of “Meaning”. In: Mind, Language and Reality:
Philosophical Papers. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1975. v. 2, p.
–271.
QUINE, W. v. O. Identity, Ostension, and Hypostasis. In: From a Logical Point of View.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1980. p. 65–79.
SALMON, N. U. Reference and Essence. New York: Prometheus Books, 2005.
SOBER, E. Sets, species and evolution: Comments on Philip Kitcher’s “Species”.
Philosophy of Science, v. 51, n. 2, p. 334–41, 1984.
THOMASSON, A. L. Ordinary Objects. New York: Oxford University Press, 2007.
WILSON, R. A. (Ed.). Species: New Interdisciplinary Essays. Cambridge, MA: MIT
Press, 1999.
WITTEVEEN, J. Naming and contingency: the type method of biological taxonomy.
Biology and Philosophy, v. 30, n. 4, p. 569–586, 2015.
Downloads
Arquivos adicionais
Publicado
Edição
Seção
Licença
- Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Creative Commons Attribution License que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria do trabalho e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).