O problema da consciência entre Sartre e Merlau-Ponty
Palavras-chave:
Consciência, Nadificação, Outrem, Sartre, Merleau-PontyResumo
Das querelas de Sartre e Merleau-Ponty, delimitaremos a nadificação ontológica, contrastando-a ao projeto de uma consciência encarnada que não só atualiza a distinção entre “em-si” e “para-si”, mas encontra na percepção uma via pela qual as atitudes deliberativas são codependentes. Posto o problema da intencionalidade, para Sartre a consciência, além de suscitar um acesso ao Ser (ontologia), só pode ser o que é enquanto for consciência livre e posicional de algo. Vazia, ela é o “para-si” que, perante a realidade objetiva, possui um poder nulificante. Diante do Ser, ela é o Nada: o não-ser, o vazio, a liberdade que surge da negação do em-si quando, por atos interrogativos, transforma seu agir mundano em escolha existencial. Assim, ontologicamente falando, a consciência tanto dá significação ao ser enquanto objeto, quanto tende a tornar-se o único princípio constituinte do mundo; ideia esta que Merleau-Ponty atualiza. Com efeito, visto que o corpo é veículo de ser-no-mundo, em Merleau-Ponty o homem não é nem coisa, nem consciência puros. Aquém da dualidade do “em-si” e do “para-si”, delimita-se aqui a soberania da consciência sartriana para, disto, indicar um horizonte pelo qual os posicionamentos téticos expressam engajamentos de ser coabitados por outrem. Sensível entre sensíveis, o homem não é pura negatividade, mas dimensão que, encarnada, não se distancia de si para dizer sobre si ou projetar-se entre as coisas. Portanto, enquanto Sartre nos condena à vacuidade da consciência, Merleau-Ponty o atualiza, sugerindo: se, fenomenologicamente, Sartre suscita o inacabamento necessário à existência humana, metafisicamente, toma a mundaneidade como resultado de um ato deliberativo. Alegando que a consciência encarnada está sempre em situação, Merleau-Ponty assegura que somos concomitantemente autônomos e determinados, visto que nossa conduta só existe pelos olhos de outrem.
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